Procedimento

Quando o TCLE não basta: por que o consentimento mal feito pode levar à condenação

Neste caso de harmonização orofacial, o juiz considerou insuficiente um termo de consentimento assinado pela paciente. A decisão reforça que procedimentos estéticos exigem obrigação de resultado e informação clara. Veja como evitar erros que podem custar caro ao profissional.

Fonte: Tribunal de Justiça do Paraná TJ-PR: 0007308-92.2021.8.16.0014 Londrina

1. O CASO:

Relatos da Autora

A autora contratou os serviços estéticos da ré para harmonização orafacial. O objetivo era melhorar sua aparência facial por meio de diversos procedimentos estéticos. Tais como a aplicação de 32 fios PDO, colágeno e skinbooster. No entanto, logo após a aplicação, surgiram intercorrências, o que gerou desconforto. Outro procedimento foi hidroxiapatita de cálcio e preenchimento nas regiões da testa e dos olhos, resultando em parestesia temporal no lado esquerdo de seu rosto.

A principal queixa da autora foi que, após o tratamento, não obteve os resultados esperados. Ao fazer a reclamação foi submetida a uma nova aplicação de tratamentos na testa, sobrancelha e pálpebras. O desconforto que levou a autora a procurar tratamento, que era o sulco abaixo dos olhos, e este não foi resolvido. Além disso, após a última aplicação realizada desenvolveu um grande hematoma próximo ao olho direito.

Além do hematoma, a paciente também desenvolveu foliculite na sobrancelha, sendo tratada com fototerapia e cuidados dermatológicos, mas sem sucesso pleno.

Resultado: Alega que não obteve os resultados esperados e que os procedimentos realizados falharam em melhorar sua estética facial. Além disso, a autora afirma que não foi devidamente informada sobre os riscos dos tratamentos, como o uso experimental de plasma retirado de seu próprio sangue, e sobre as possíveis intercorrências.

Relatos da Re

Outro ponto levantado pela ré que todos os procedimentos realizados foram amplamente explicados à autora antes de sua realização. Destacou que a autora assinou o TCLE, documento que, segundo a ré, implicava na aceitação dos riscos e possíveis intercorrências que poderiam surgir durante o tratamento.

A parte ré,  apresentou sua defesa que em procedimentos estéticos não há  obrigação de resultado, os procedimentos realizados são temporários por natureza, exigindo manutenções periódicas, e os resultados podem variar conforme a anatomia individual de cada paciente. Afirmou que a autora estava ciente dessa realidade ao contratar os serviços, não sendo razoável, portanto, responsabilizar a profissional por resultados que não foram atingidos devido às características próprias da autora.

2. ENTENDIMENTO DO JUIZ

O juiz iniciou seu exame apontando que, embora a obrigação dos profissionais médicos e dentistas, em geral, seja de meio (ou seja, de realizar o tratamento com diligência e competência, mas sem garantir resultados), os procedimentos estéticos, por sua própria natureza, impõem uma obrigação de resultado. Nesse tipo de serviço, o paciente tem direito de esperar que os procedimentos atinjam os efeitos desejados, como prometido, e que qualquer falha ou insucesso na execução do tratamento seja de responsabilidade do profissional contratado.

Outro ponto central abordado pela sentença foi a falta de informações claras e completas fornecidas à autora sobre os riscos e as expectativas dos resultados. O juiz considerou que a cirurgiã-dentista não demonstrou, de forma suficiente e adequada, que a paciente estava plenamente ciente dos riscos inerentes aos procedimentos que estava se submetendo. Embora o termo de consentimento tenha sido apresentado, ele se restringia a um único procedimento e não cobria toda a gama de intervenções realizadas ao longo do tratamento. A ausência de informação ampla e detalhada sobre os riscos de intercorrências e os possíveis efeitos colaterais foi vista como uma violação grave ao dever de esclarecimento, previsto tanto pelo Código de Defesa do Consumidor quanto pelo Código de Ética Odontológica.

Em síntese, a sentença proferida destacou a importância de cumprir com as obrigações de informação e de resultado nos tratamentos estéticos, reforçando a responsabilidade dos profissionais e das clínicas em garantir que seus pacientes estejam bem informados e que os resultados desejados sejam alcançados dentro dos limites da técnica e da ética.

3. POR QUE O TCLE NÃO FOI SUFICIENTE?

O TCLE apresentado no caso era insuficiente e se limitava a apenas um dos procedimentos realizados. Ele não detalhava todos os tratamentos aplicados, nem os riscos específicos de cada técnica. Por isso, mesmo assinado pela paciente, não foi considerado suficiente para demonstrar que ela estava plenamente informada sobre as possíveis intercorrências. 

Em resumo: um TCLE genérico não protege o profissional quando o tratamento envolve múltiplos procedimentos ou técnicas complexas.

O juiz considerou dois pontos principais:

  1. Obrigação de resultado: em procedimentos estéticos, o paciente tem expectativa de que o resultado prometido seja alcançado. Diferente de tratamentos médicos tradicionais, não basta apenas executar a técnica com diligência.
  2. Falta de informação completa: a profissional não conseguiu comprovar que a paciente foi totalmente esclarecida sobre todos os riscos e efeitos possíveis de cada procedimento. A ausência de registro detalhado das explicações fornecidas reforçou a responsabilidade da profissional.

5. COMO SERIA UM TCLE ADEQUADO (EXEMPLO PRÁTICO)

Para procedimentos como fios de PDO, skinbooster e preenchimento facial, um TCLE adequado deve conter:

  1. Descrição detalhada do procedimento: qual técnica será utilizada, quais áreas serão tratadas e quantos fios ou doses serão aplicados.
  2. Produtos e materiais utilizados: marca, quantidade e origem.
  3. Riscos específicos: hematomas, inchaço, parestesia, foliculite, reações adversas a produtos e possibilidade de resultados estéticos diferentes do esperado.
  4. Cuidados pré e pós-procedimento: orientações sobre higiene, medicações, exposição solar, alimentação, exercícios e necessidade de retorno para manutenção.
  5. Alternativas e expectativas realistas: esclarecimento de que os resultados podem variar conforme anatomia individual e que procedimentos podem exigir manutenção ou retoques.
  6. Confirmação de compreensão: espaço para paciente declarar que entendeu todos os riscos, efeitos e cuidados antes de assinar.

6. CONCLUSÃO

Este caso ilustra a importância de uma abordagem cautelosa e informada em procedimentos estéticos. Um termo de consentimento genérico não é suficiente para proteger o profissional de eventuais consequências legais. A documentação adequada e a comunicação clara e detalhada são fundamentais para garantir que o paciente entenda todos os riscos e o que pode ser esperado do procedimento.

 O principal aprendizado desse caso é que, como profissional de saúde estética, você tem a obrigação não apenas de realizar o procedimento com habilidade técnica, mas também de garantir que o paciente tenha uma compreensão total dos riscos e das possíveis complicações. Não subestime a importância da informação clara e dos registros detalhados – eles são sua principal proteção jurídica.

Como profissional de saúde estética, sua responsabilidade vai além do conhecimento técnico. Ao garantir que os pacientes compreendam todos os riscos e resultados do procedimento, você está protegendo tanto a sua clínica quanto a sua reputação. Não subestime a importância de um TCLE bem preenchido e da documentação precisa. Ao adotar essas práticas, você não só estará cumprindo com a legislação, mas também criando um ambiente de confiança e segurança para seus pacientes.

DICA PRÁTICA

Para evitar problemas semelhantes, é fundamental que o profissional de saúde estética adote algumas medidas práticas:

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Tatiana Leussi Devasio – OAB/SP Nº 438.513

Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil, Direito Médico e da Saúde, e LGPD.

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